Entrei no consultório cansada. Não aquele cansaço de Garfield, do tipo “ai, que preguiça de segunda”, mas um cansaço de quem parece ter carregado um trem de obrigações e humilhações nos ombros desde 1999. Sentei, e o doutor perguntou como eu estava. Eu disse: “Não estou bem.” Simples, direto, adulto. Mas, aparentemente essa não era a resposta que o psiquiatra estava preparado para ouvir.
Ele pegou meu relatório neuropsicológico, mas não abriu. Disse que, se eu tinha TEA ou TDAH, não era a área dele, enquanto segurava o laudo como um panfleto de pizzaria entregue no semáforo, virando de um lado, virando do outro, mas sem demonstrar o menor interesse em, de fato, ler o conteúdo.
Foi aí que percebi que eu estava diante de um adepto da Psiquiatria por Osmose: esse método inovador, aprovado em… sei lá onde, no qual basta aproximar o laudo da aura do médico para que o conteúdo atravesse o envelope, as camadas atmosféricas, o ego do doutor e, por mágica, atualize o diagnóstico sem necessidade de leitura. Parece ficção científica, mas não: é só uma quinta-feira qualquer.
Sem abrir absolutamente nada, ele decreta que eu tenho depressão reativa. Reativa a quê? Segundo ele: problemas. Meu diagnóstico psiquiátrico, portanto, reduz-se ao conceito de que “você é sensível à vida”. Meu corpo reage à existência como quem reage a camarão vencido: uma alergia emocional, um choque anafilático de responsabilidades, um inchaço metafísico de demandas acumuladas.
E ele continua, como se tivesse recebido informações por telepatia: diz que eu não faço terapia, não faço atividade física e não sigo orientações. A prova? Um caderninho secreto onde, aparentemente, minha vida inteira foi resumida em três parágrafos escritos com a pressa de quem tem uma fila de consultas e zero vontade de empatia.
Tento explicar que fiz terapia de janeiro a agosto e que, quando voltei a trabalhar, perdi o horário por incompatibilidade, que busquei outras opções e que começarei com uma nova psicóloga na semana seguinte. Ele me corta com a elegância de uma serra elétrica: “Você sempre vem com desculpas.” Claro, porque explicar a própria realidade se chama desculpa; talvez eu devesse ter respondido com emojis ou sinais de fumaça, para facilitar a comunicação.
Chegamos então ao momento mais poético da consulta: a comparação financeira. Segundo ele, tudo o que gastei em remédio poderia ter virado poupança, bastava ter tido mais força de vontade ao invés de querer resolver problemas com medicação. Respirei fundo. Venlafaxina? Placebo, segundo o doutor. O efeito é psicológico. Mas “ser resiliente”, isso sim, é farmacologia pura. Saí do consultório com a seguinte receita:
1 cápsula de “aguente firme” pela manhã,
1 comprimido de “pare de frescura” após o almoço,
30 gotas de “a vida é assim mesmo” antes de dormir.
Reações adversas: culpa, vergonha, vontade de sumir, sensação de fracasso, choro contido e aumento súbito do desejo de trocar de médico.
Escuto tudo em silêncio, não porque concordo, mas porque descobrir que um profissional minimiza sua dor dá uma preguiça tão profunda de responder que a gente simplesmente deixa a cena terminar. Saí pior do que entrei, mas ainda assim saí.
E do lado de fora encontrei o que me faltou lá dentro: acolhimento, humanidade, lógica, realidade concreta. Descobri que a psiquiatria não é aquilo, que dor não é falta de resiliência, que sofrimento não se cura com sermão, que a vida desmonta pessoas e elas têm direito de pedir ajuda sem levar bronca.
E descobri algo ainda mais importante: resiliência não é suportar o insuportável; resiliência é levantar a cabeça, respirar fundo e pensar: “Chega. Eu mereço cuidado, não condenação.”
Lágrimas regando milagres
Fer




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