Nas últimas semanas, minha vida foi um caos: minha mãe passou por uma cirurgia delicada, a escola entrou naquele período “gentil” de provas, com o conselho se aproximando, a faxineira faltou e eu passei os dias inteiros operando no modo sobrevivência automática, aquela versão de mim que acorda, trabalha, organiza, socorre, resolve e não descansa. Eu sobrevivi me prometendo: “No feriado, eu descanso. Quando tudo terminar, eu descanso.”
O feriado chegou e, veja só, eu sobrevivi. Acordei decidida: hoje eu vou levantar, beber um copo de água, pegar um livro e deitar na rede ao sol. Simples, humano e possível. Saí da cama com a convicção de um descanso merecido.
Mas, no caminho do banheiro, olhando a roupa suja suspirando no cesto, pensei: “Vou só colocar na máquina rapidinho. Enquanto lava, eu leio na rede.” Coloquei a roupa na máquina e, já que estava ali, aproveitei para recolher e dobrar a roupa que estava no varal. Voltei para a sala e percebi que a deixamos bagunçada na noite anterior, então arrumei. Passei pela cozinha, lavei a louça da pia e também passei pano no chão.
A máquina apitou e eu estendi a roupa. Olhei o relógio: já era quase hora do almoço. Fui fazer o almoço. Enquanto o fogão fazia o seu trabalho, fiz uma comprinha no mercado online porque percebi que estávamos sem coisas básicas em casa. Ainda precisava imprimir as fichas do conselho, então almocei imprimindo. Multitarefa? Não. Multi-desespero.
Depois do almoço, lavei a louça, terminei a documentação, aproveitei que estava no computador e limpei a caixa de e-mail, respondi mensagens, resolvi pendências, bati carimbo em tudo o que dava para bater carimbo. Então voltei para a cozinha e senti uma fisgada nas costas: o corpo dando aquele tapa pedagógico. Encostei no balcão, mãos apoiadas, cabeça baixa, tentando lembrar o que eu tinha ido fazer ali.
Demorei alguns segundos até a memória vir como uma piada cruel: o copo de água e o livro para ler na rede ao sol.
Bebi a água, peguei o livro e fui para a rede. O sol? Já tinha ido embora. O dia inteiro tinha ido embora. E eu, mais uma vez, tinha sido devorada por uma criatura mitológica chamada Tarefa, esse bicho traiçoeiro que se multiplica toda vez que escuta a palavra “concluída”.
No fim das contas, percebi a obviedade de que eu finjo não ver: enquanto eu insistir em descansar só depois de terminar tudo, eu nunca vou descansar. Porque “tudo” é um poço sem fundo, e eu continuo descendo como quem acredita que, lá embaixo, vai encontrar paz.
Mas paz não mora no fim da lista. Mora no meio dela. E eu preciso aprender a parar antes que o corpo pare por mim.
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