sexta-feira, 20 de maio de 2011

NEM SONO, NEM SONHO...




Eram dias difíceis. O tempo a engolia. O trabalho agitado, o excesso de compromissos, os problemas familiares, a falta de dinheiro, os imprevistos e as dores nas costas a consumia verozmente. Às vezes achava que não ia conseguir vencer o dia, a sensação de que suas energias se esgotariam antes de se por o sol era desesperadora.
Mas havia algo que a mantinha em pé. Algo que renovava suas forças e a fazia continuar. A certeza de que ao chegar em casa, ele estaria lá. Então, ela deitaria no seu colo, fecharia os olhos e o mundo pararia para ela descansar. Era o seu momento mágico. O calor do corpo dele a esquentava, o carinho no seu rosto a acalmava e ali, naquele momento, ela encontrava paz. Era capaz de enfrentar qualquer obstáculo para ter direito a esse momento, o seu momento.
Ontem, não foi diferente: serão no trabalho, dia que parecia não ter fim. Ela como sempre deitou no colo dele e mesmo com a família ali ao seu redor, ela adormeceu, no momento mais sublime da sua paz. Ignorou as pessoas ao seu redor e se entregou ao momento mais esperado do seu dia, o motivo das suas forças. Era um sono sem sonhos, não precisava. O próprio momento já era um sonho. Sonhara com isso a vida toda.
Mas como em todo o sonho, ela acordou. Foi despertada pela ira do seu amado. Com palavras duras, ele queixava-se do seu sono, do seu cansaço, do seu desprezo, da sua falta de amor. A paz foi saindo de cena devargazinho enquanto a mente confusa de quem acaba de acordar vai entendendo o significado das reclamações.
“Nunca gostei que você dormisse no meu colo, sempre me senti incomodado”, ele disse num ataque de fúria. “Nunca gostei!” Essa frase fez eco em sua cabeça perturbada com as verdades que ouvia. O seu momento de paz não agradava o seu amado.
Daí, uma discussão se iniciou que levou a noite embora. Aquela que sonhava com o sono da paz teve roubada a sua noite e a sua paz. O que estava acontecendo? Como isso aconteceu? Por que tanta ira? Eram muitas dúvidas e nada parecia fazer sentido.
Ela só sabia uma coisa: estava de luto. Perdera um “ente” querido que lhe faria muita falta, ficara sem chão. E agora como seria? Como suportar o dia sem recarregar a energia da paz? Como seria daqui pra frente?
A discussão acabou e cada um foi para o seu lado com um vazio no peito. Quantas coisas são ditar em momentos de tribulação! Ao deitar-se em sua cama, já sem forças viu seu sono perder-se no quarto e passou uma noite de sonho sem sono. Repetidas vezes em sua mente via sempre a mesma cena: antes daquele pesadelo chegar, quando ainda vivia o seu momento de paz, relembrava ela que ao encostar-se no peito dele, ele dizia para que ela se deitasse, esticasse as pernas, descansasse, ficasse à vontade e se sentisse em casa. Por que havia dito isso se nunca gostara daquela situação? Por que incentivava uma postura que o desagradava? Mas apesar da insistência da cena que se repetia no restante da noite, não encontrou resposta.
Só tinha certeza de uma coisa. Como em todo o luto, sabia que havia perdido algo precioso e que jamais o teria de volta. Jamais conseguiria deitar em seu colo, dormir e sentir a mesma paz. Essa certeza doía demais. E agora, aonde encontraria paz? No vazio da sua cama fria faltava calor, faltava afago.
Se ele nunca havia gostado daqueles momentos, será que realmente houve paz? Será que todos aqueles momentos foram irreais? Apenas sonho? Que outras situações não agradavam a ele e ela nem imaginava? Ela não queria imaginar, doía demais.
Do seu sonho nada sobrou. Nem sono, nem noite, nem sonho... Só dúvidas...

Fernanda de Abreu Paganotti

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